Virgílio Almeida recebeu o Prêmio SBC de Mérito Científico

Durante a realização da trigésima quarta edição do CSBC realizada em Brasília, no período de 28 a 31 de julho, o Prêmio Mérito Científico da SBC 2014 foi concedido ao professor Virgílio Augusto Fernandes Almeida. O prêmio foi entregue durante a Cerimônia de Abertura, no primeiro dia do Congresso.

O Prêmio SBC de Mérito Científico destina-se ao sócio efetivo ou fundador da SBC com reconhecida contribuição científica e/ou técnica em uma das várias áreas e especialidades da computação abrangidas pela Sociedade. O prêmio é concedido pela Sociedade Brasileira de Computação durante o Congresso anual da Sociedade.

O professor Virgílio Almeida disponibilizou o discurso de agradecimento que proferiu durante a Cerimônia.

Professor Virgílio de Almeida agradece o Prêmio SBC de Mérito Científico entregue durante o CSBC2014 (Foto de Eduardo Tadeu)

 

“Quero começar externando minha alegria ao receber o Prêmio do Mérito Científico, alegria por ter sido agraciado com esse prestigioso prêmio que distingue as contribuições científicas feitas ao longo de minha carreira de professor e pesquisador na área da computação.  Agradeço à Sociedade Brasileira de Computação, seus diretores, conselheiros e sócios nas pessoas dos professores Paulo Cunha e Lisandro Granville, respectivamente presidente e vice-presidente da SBC.

Os prêmios nos honram e nos trazem uma responsabilidade acrescida. Um prêmio pelo conjunto da obra aumenta ainda mais essa responsabilidade e merece reflexões sobre o passado e sobre os desafios do futuro. No entanto, vou começar esta reflexão tomando uma rota diferente, concentrando principalmente no futuro e misturando um pouco  as questões da computação com algumas citações de outras áreas, com o claro intuito de  enfatizar a multidisciplinaridade da ciência da computação.

Vivemos tempos onde o progresso científico e tecnológico altera profundamente a vida do homem contemporâneo. Até mesmo pilares fundamentais do ser humano, como as noções de tempo e espaço vem sendo subliminarmente redesenhados pela acelerada evolução tecnológica. Por trás da expressão trivial “olhar na internet’’, estão números astronômicos, que vem  transformando sobremaneira o dia-a-dia global. A cada segundo, o Google processa 4 milhões de consultas, os usuários do Facebook compartilham 2,5 milhões de peças de conteúdo,  280 mil “tweets´´ são postados e 204 milhões de emails são enviados. Tudo isso fruto das interações entre os quase três bilhões de usuários da Internet. Por trás desses fenômenos, encontra-se uma infra-estrutura  tecnológica, que representa bem o vasto corpo de conhecimento científico associado a computação.   Essas simples operações, típicas da Internet, realizadas em centésimos de segundos, são executadas por qualquer pessoa e em qualquer lugar do planeta. O aparato tecnológico de alcance planetário que suporta todas essas operações  decorre do avanço da ciência e da engenharia da computação.  Além do impressionante lado tecnológico, o estudo da computação  envolve a busca de respostas a questões fundamentais como: o que pode e o que não pode ser computado? Como projetar algoritmos eficientes capazes de coordenar a comunicação entre centenas de bilhões de máquinas de maneira eficiente e confiável? Como personalizar  informações e serviços para  cada um  dos bilhões de indivíduos que usam as redes sociais? Como descobrir e recuperar no universo global aquela informação específica, que interessa a uma pessoa específica num momento específico, dentro  de um intervalo tempo aceitável?

Algumas dessas questões têm relação com meu trabalho de pesquisa, que ao longo dos anos tem sido a caracterização quantitativa do comportamento dessas redes distribuídas em larga escala,a busca de propriedades invariantes desses sistemas e o desenvolvimento de modelos, que ajudam a entender e prever o comportamento de fenômenos associados às  redes, que interligam máquinas, pessoas e algoritmos. Aliás, no trabalho de modelagem, que envolve a construção de abstrações, fica cada vez mais evidente uma dimensão desafiadora da evolução tecnológica,  que é o excesso de dados. Neste ponto, vale a pena citar um pequeno trecho da obra do escritor argentino Jorge Luis Borges, chamado “Do rigor na Ciência’’, que mostra a importância das abstrações.
Naquele Império, a Arte da Cartografia alcançou tal Perfeição que o mapa de uma única Província ocupava toda uma Cidade, o mapa do império toda uma Província. Com o tempo, esses Mapas Desmesurados não foram satisfatórios e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa do Império, que tinha o tamanho do Império e coincidia pontualmente com ele. Menos afeitas ao estudo da cartografia, as gerações seguintes entenderam que esse dilatado Mapa era inútil e não sem Impiedade o entregaram às Inclemências do Sol e dos Invernos…”  

A ciência diz respeito a modelos, abstrações, hipóteses, dados, experimentos, e teorias. A ciência diz respeito a idéias arranjadas com criatividade e conhecimento, testadas e validadas por modelos teóricos e/ou elaborados experimentos.  Entretanto, nos tempos modernos a ciência também diz respeito a pessoas.  Cada vez mais, a ciência faz parte do dia-a-dia das pessoas, afetando-as de diversas maneiras, nas suas profissões, nos seus sonhos, nos seus medos e nas suas possibilidades.  A ciência e a tecnologia estão também diariamente nos jornais, nas TVs, nas conversas cotidianas, na vida política do país. E no caso da computação, a sua relação com a sociedade é ainda mais abrangente, pois todos nós, praticamente todos, interagimos com dispositivos de hardware, software e algoritmos várias vezes por dia, através dos smartphones, das transações financeiras via cartão, dos dispositivos nos carros, nos exames médicos via imagem, nos eletrodomésticos, enfim  quase tudo do dia-a-dia.

Pois bem, ao pensar neste discurso, lembrei-me de um trecho do romance “Grande Sertão: Veredas´´,  de Guimarães Rosa, que vai me ajudar a introduzir outro tema chave para o futuro da computação, ou seja a natureza cada vez mais social da computação.   Em um certo momento, Riobaldo, o mítico jagunço do romance, faz a seguinte observação: “Não me assente o senhor por beócio. Uma coisa é por idéias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil e tantas misérias…’’ E é justamente neste ponto que a evolução tecnológica traz novos desafios para a computação,  que é a relação das máquinas e dos algoritmos  com a sociedade e as pessoas. Recentemente, dois fatos trouxeram à luz a importância dessas questões. Uma decisão dos tribunais da comunidade européia definiu o direito ao esquecimento, e determinou que o Google atenda as solicitações dos cidadãos europeus para que as informações pessoais irrelevantes desses cidadãos  sejam excluídas dos resultados de busca nas máquinas do Google.  Às vezes a vida imita a arte.  No clássico romance de Machado de Assis, Brás Cubas pensou a seguinte questão: “A vida é uma lousa, em que o destino para escrever um novo caso, precisa apagar o caso escrito. Obra de lápis e esponja.´´  Pois é, os tempos mudaram e a  vida moderna, instrumentada pela tecnologia da informação,  não é mais a lousa descrita por Machado de Assis, onde a esponja do tempo  apaga as coisas do passado. A decisão dos tribunais europeus, que tem importantes impactos tecnológicos, segue nessa direção.

Um artigo recente, publicado na prestigiosa revista da Academia de Ciência dos EUA, PNAS, relata uma experiência conduzida pelo Facebook com mais 600 mil participantes com o intuito de avaliar o contágio emocional na rede.  No experimento, o “feed’’ de notícias era alimentado prioritariamente com postagens positivas ou negativas, dependendo da categoria do usuário. Essa  manipulação sutil foi então analisada através da avaliação do impacto das postagens manipuladas no status emocional dos usuários envolvidos. Questionamentos éticos, morais e políticos inundaram as discussões na imprensa após o anúncio desse estudo, que contou com tecnologias avançadas de aprendizado de máquina, análise de sentimentos e  mineração de dados.  Essas dois exemplos dão a dimensão da importância crescente do entendimento dos algoritmos, que além de resolverem problemas importantes, podem também influenciar e dirigir o comportamento público, algo que vários especialistas chamam hoje  de “governança por algoritmos’’.
Outro aspecto essencial da computação é sua natureza multidisciplinar.  Num de seus poemas, o poeta pernambucano João Cabral, inventa a fábula do arquiteto e diz:

A arquitetura como construir portas,
de abrir; ou como construir o aberto;
Construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
Construir portas abertas, em portas;

Usando a  visão do poeta como metáfora, eu diria que a computação tem em relação a todas as demais ciências o papel da arquitetura, o papel de abrir portas. A computação abre portas para novos conhecimentos e cria transparências, através da capacidade algorítmica de organizar e visualizar informação e conhecimento dentro de enormes massas de dados.  Os grandes sistemas de computação tem a capacidade de construir  aberturas para que o olho e a imaginação humana possam interpretar e compreender a complexidade dos fenômenos físicos, biológicos e sociais do mundo contemporâneo.

A ciência e a tecnologia são absolutamente essenciais para a prosperidade do Brasil, para o desenvolvimento econômico sustentável, para a segurança da sociedade e para a qualidade de vida dos cidadãos brasileiros. Nesse contexto, a computação é absolutamente central para o desenvolvimento do país. A computação tem tido um papel chave nos grandes avanços recentes do país, como o tratamento de grandes massas de dados e visualizações na exploração do petróleo do pré-sal, no projeto dos competitivos aviões da indústria aeronáutica brasileira e em vários aspectos das pesquisas agrícolas, que levaram ao magnífico  crescimento da produção agrícola brasileira na última década. Em resumo, inovação é chave para o crescimento do país e computação é chave para a  inovação.

A pesquisa científica contemporânea tem cada vez mais uma natureza coletiva, onde grupos de pesquisadores,  e não estrelas solitárias, são a fonte principal do avanço do conhecimento. A revista Nature, uma das mais prestigiosas publicações da ciência, mostrou  em números esse nova face da produção  científica. Dos 700 artigos publicados em 2008, apenas seis eram de um único autor. Isso muda radicalmente  o estereótipo popular da ciência, feita por indivíduos especiais na solidão de um laboratório. Os artigos de maior impacto científico, ainda segundo a Nature, são aqueles produzidos por grupos de pesquisadores, onde a diversidade é um traço marcante. Diversidade essa representada pela combinação de pesquisadores de diferentes gerações, com atuações em diferentes áreas e oriundos de múltiplas instituições. A computação no Brasil precisa de diversidade. Diversidade de gênero, diversidade regional, diversidade étnica e diversidade de áreas. Todas as áreas da computação são importantes e devem ser exploradas.

Pela sua própria natureza, a computação cria ambientes estimulantes para a vida acadêmica, permitindo misturar em doses certas pesquisa avançada, ensino e  extensão. Essa combinação tem sido uma receita de sucesso, com a participação do setor privado e governo na identificação de problemas que tanto levam  à pesquisa teórica, quanto a pesquisa aplicada, essa última fundamental para a inovação tecnológica.  Todas essas facetas, no caso da computação, devem ter uma característica comum, que é a excelência; a excelência na pesquisa, a excelência no desenvolvimento tecnológico e  a excelência na  sala de aula. Os pesquisadores em computação tem o privilégio de poder buscar simultaneamente a excelência e a relevância em suas pesquisas.

Para concluir, quero lembrar novamente os poetas. Há um outro poema de  João Cabral de Melo Neto que gosto muito e que sempre cito para ilustrar a  minha visão do trabalho, principalmente  de pesquisa. Nos versos do poema   “Tecendo a Manhã´´, o poeta diz:

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
… para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

As múltiplas colaborações que tive forma chaves para os resultados que consegui. Ao longo da minha vida profissional, tenho tido várias experiências marcantes. No Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, tenho aprendido com os colegas do ministério e do governo a conhecer melhor as múltiplas realidades  do país, as necessidades da indústria e a importância das políticas públicas para o setor de ciência e tecnologia.  Na minha vida  acadêmica, tenho tido a sorte de conhecer e trabalhar com pessoas especiais. Colegas de departamento na UFMG, professores de outras universidades no país e no exterior e alunos, muitos alunos,  de graduação e de pós-graduação. Todos esses contribuiram  imensamente para que eu ganhasse este prêmio. Não poderia esquecer de agradecê-los. Como também não posso deixar de mencionar a colaboração  de mais de 30 anos  com Daniel Menascé, da Universidade George Mason nos EUA,  amigo e co-autor em cinco livros e inúmeros artigos científicos.  Meu pensamento dirige-se agora  para Rejane, Pedro, André, Rubia e Clarice, mulher,  filhos e noras.  Com eles compartilhei a minha opção pela academia, a dedicação aos estudos  e deles sempre veio estímulo, incentivo  e alegria. Não posso esquecer os meus pais, que se fossem vivos estariam orgulhosos desta bela cerimônia do Prêmio da SBC.  Resta-me agradecer a todos pela emoção desta solenidade.  Meus caros amigos e colegas, muito obrigado! “