A Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Sociedade Brasileira de Computação (SBC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) manifestam profunda preocupação com o Regime Especial de Tributação para Serviços de Data Center (REDATA), proposto pelo Ministério da Fazenda.
O programa prevê isenções de PIS, Cofins e IPI para empresas estrangeiras que instalarem data centers no Brasil, em troca de contrapartidas mínimas — apenas 2% destinados à pesquisa e desenvolvimento e 10% da capacidade reservada ao mercado interno. Na prática, o país oferece energia limpa, território e incentivos fiscais, sem exigir contrapartidas compatíveis com o interesse público e com uma estratégia nacional de dados, enquanto o controle dos dados, as tecnologias e os lucros permanecem fora de suas fronteiras.
O Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), elaborado pelo próprio governo, estabelece que o país deve reduzir sua dependência de servidores estrangeiros e desenvolver data centers nacionais, verdes e descentralizados, sob jurisdição brasileira. O PBIA propõe uma política de autonomia tecnológica e sustentabilidade, articulando inteligência artificial, eficiência energética e proteção de dados estratégicos.
O REDATA, ao contrário, caminha na direção oposta: transfere infraestrutura crítica para grandes plataformas estrangeiras, oferecendo-lhes benefícios fiscais expressivos e reduzidas exigências de contrapartida. É um modelo de colonialismo digital, que reproduz dependência tecnológica e compromete a capacidade do país de inovar, regular e proteger seus próprios cidadãos.
O Brasil pode e deve liderar uma transição digital verde e soberana. Com uma das matrizes elétricas mais limpas do planeta — baseada em energia hidrelétrica, eólica e solar — o Brasil reúne condições únicas para desenvolver uma infraestrutura nacional de computação verde, sustentável e sob controle público. Essa vantagem estratégica deve ser usada para impulsionar o desenvolvimento de data centers nacionais, não para subsidiar megacorporações globais.
Algumas das experiências internacionais mostram o caminho: Chile e União Europeia vinculam a instalação de data centers a metas de eficiência energética e neutralidade climática; Alemanha e China adotaram padrões obrigatórios de desempenho energético (PUE) e uso de energia renovável; em contraste, estados norte-americanos que concederam benefícios fiscais sem regulação ambiental enfrentam hoje perdas bilionárias e escassez hídrica.
O Brasil pode ser referência mundial em data centers verdes e soberanos, desde que adote políticas de eficiência energética, transparência ambiental e transferência tecnológica. Em vez de “atrair” data centers estrangeiros com isenções, o país deve construir os seus, públicos e híbridos, vinculados a universidades, institutos de pesquisa e empresas nacionais, formando uma verdadeira rede digital soberana brasileira.
O verdadeiro desenvolvimento digital brasileiro não está em atrair servidores estrangeiros, mas em construir conhecimento, infraestrutura e poder tecnológico próprios, capazes de garantir autonomia, inovação e segurança aos cidadãos e ao Estado. Ao tratar dados e energia como simples mercadorias, o REDATA fragiliza a soberania nacional e desvirtua o papel da ciência e da tecnologia como bens públicos.
A comunidade científica reafirma que soberania digital e soberania energética são inseparáveis: o país que não controla seus dados, suas redes e seus algoritmos não controla o seu futuro.
Defendemos, portanto, que qualquer política de incentivo à infraestrutura digital:
1. Conforme-se ao PBIA, priorizando o desenvolvimento de data centers nacionais e sustentáveis;
2. Inclua exigências ambientais e energéticas obrigatórias, com monitoramento público de consumo e emissões;
3. Garanta contrapartidas robustas de P&D, formação de talentos e inovação aberta;
4. Proteja os dados estratégicos de Estado, ciência e cidadãos sob jurisdição nacional;
5. Assegure transparência e consulta pública em todos os processos decisórios.
O Brasil tem o que o mundo precisa: energia limpa, inteligência e território. Cabe escolher se seremos donos da nuvem ou apenas o chão onde ela se apoia.
23 de outubro de 2025
Assinam:
HELENA BONCIANI NADER
Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC)
THAIS VASCONCELOS BATISTA
Presidente da Sociedade Brasileira de Computação (SBC)
FRANCILENE PROCÓPIO GARCIA
Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
